segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os ensinamentos de Iris Apfel



Aos 90 anos, Iris Apfel, ícone do design de interiores, moda, estilo e da autenticidade, escreveu as grandes lições do seu envelhecimento.

1. A vida não é justa, mas ainda é boa.
2. Quando estiver em dúvida, dê somente, o próximo passo, pequeno.
3. A vida é muito curta para desperdiçá-la odiando alguém.
4. Seu trabalho não cuidará de você quando você ficar doente. Seus amigos e familiares cuidarão. Permaneça em contato.
5. Pague mensalmente seus cartões de crédito.
6. Você não tem que ganhar todas as vezes. Concorde em discordar.
7. Chore com alguém. Cura melhor do que chorar sozinho.
8. Economize para a aposentadoria começando com seu primeiro salário.
9. Quanto a chocolate, é inútil resistir.
10. Faça as pazes com seu passado, assim ele não atrapalha o presente.
11. É bom deixar suas crianças verem que você chora.
12. Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem idéia do que é a jornada deles.
13. Se um relacionamento tiver que ser um segredo, você não deveria entrar nele.
14. Tudo pode mudar num piscar de olhos. Mas não se preocupe; Deus nunca pisca.
15. Respire fundo. Isso acalma a mente.
16. Livre-se de qualquer coisa que não seja útil, bonito ou alegre.
17. Qualquer coisa que não o matar o tornará realmente mais forte.
18. Nunca é muito tarde para ter uma infância feliz. Mas a segunda vez é por sua conta e ninguém mais.
19. Quando se trata do que você ama na vida, não aceite um não como resposta.
20. Acenda as velas, use os lençóis bonitos, use lingerie chique. Não guarde isto para uma ocasião especial. Hoje é especial.
21. Prepare-se mais do que o necessário, depois siga com o fluxo.
22. Seja excêntrica agora. Não espere pela velhice para vestir roxo.
23. O órgão sexual mais importante é o cérebro.
24. Ninguém mais é responsável pela sua felicidade, somente você..
25. Enquadre todos os assim chamados "desastres" com estas palavras 'Em cinco anos, isto importará?'
26. Sempre escolha a vida.
27. Perdoe tudo de todo mundo.
28. O que outras pessoas pensam de você não é da sua conta.
29. O tempo cura quase tudo. Dê tempo ao tempo...
30. Não importa quão boa ou ruim é uma situação, ela mudará.
31. Não se leve muito a sério. Ninguém faz isso.
32. Acredite em milagres.
33. Deus ama você porque ele é Deus, não por causa de qualquer coisa que você fez ou não fez.
34. Não faça auditoria na vida. Destaque-se e aproveite-a ao máximo agora.
35. Envelhecer ganha da alternativa -- morrer jovem.
36. Suas crianças têm apenas uma infância.
37. Tudo que verdadeiramente importa no final é que você amou.
38. Saia de casa todos os dias. Os milagres estão esperando em todos os lugares.
39. Se todos nós colocássemos nossos problemas em uma pilha e víssemos todos os outros como eles são, nós pegaríamos nossos mesmos problemas de volta.
40. A inveja é uma perda de tempo. Você já tem tudo o que precisa.
41. O melhor ainda está por vir.
42. Não importa como você se sente, levante-se, vista-se bem e apareça.
43. Produza!
44. A vida não está amarrada com um laço, mas ainda é um presente.




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Evoé
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sábado, 28 de novembro de 2015

Sarau Gente de Palavra Transoceânico - Coimbra

Coimbra, 26 de novembro, noite fria e linda, noite em que ocorreu, no inspirador Salão Brazil, o primeiro sarau Gente de Palavra longe das terras brasileiras: Sarau Gente de Palavra Transoceânico.
O evento foi uma parceria do Salão Brazil e da Revista Gente de Palavra e reuniu um público com mais de setenta pessoas. Houve microfone aberto a com leitura de poemas autorais e de poetas como Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Morais, Fernando Pessoa, Agostinho Neto, entre outros. Para tornar a noite mais colorida, a poesia dividiu espaço com a música através da interpretação de canções brasileiras e inglesas. Além disso, o músico João Camões acompanhou com seu violino a leitura de alguns poemas, um casamento perfeito entre som e palavra.
Brasileiros, portugueses, italianos e espanhóis marcaram presença no evento, que primou por compartilhar a arte sem fronteiras. João Rasteiro, Pires Laranjeira, Filipe Furtado, João Camões, Tom Barreto, Amanda Gomes, Fernanda Lacombe, Felipe Loureiro, Fábio Lucindo estão entre os nomes que trouxeram música e poesia para o palco do Salão Brazil.
A cobertura fotográfica ficou a cargo de Tom Barreto e as imagens podem ser conferidas na íntegra na página do Facebook da revista.

Michelle C. Buss
Fotografia: Tom Barreto

Filipe Furtado
Fotografia: Tom Barreto

Pires Laranjeira
Fotografia: Tom Barreto

Felipe Loureiro
Fotografia: Tom Barreto

Tom Barreto
Fotografia: Fábio Lucindo

Amanda Gomes
Fotografia: Tom Barreto

João Rasteiro
Fotografia: Tom Barreto

Fernanda Lacombe
Fotografia: Tom Barreto

João Camões
Fotografia: Tom Barreto

Salão Brazil
Fotografia: Tom Barreto

Vitória Paes
Fotografia: Tom Barreto

Fábio Lucindo
Fotografia: Tom Barreto




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Evoé
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sexta-feira, 27 de novembro de 2015

As flores de plástico não morrem


Foto: Amanda Gomes

O vinil é um meio de as pessoas se presentearem com músicas.
Aquele pedaço de papel cartão que mede 30cm x 30cm carrega artes gráficas desenvolvidas cuidadosamente, desde a capa até o encarte, os quais são finalizados através de um processo quase totalmente científico, não fosse a poesia que está intrínseca nas imagens impressas. O disco é como uma flor embrulhada, cujo papel estampa fotos, cores e nomes, mas também pode servir de base para muitas declarações (sejam elas de amor ou não).
No terceiro andar da Galeria Chaves, um dos prédios veteranos da Rua dos Andradas, situada no centro histórico de Porto Alegre, existe um espaço dedicado a esses objetos, cujo valor está presente não só em sua materialidade, mas também no conteúdo: as canções que pairam na imensidão do tempo. Para os amantes dos discos, tanto clássicos como obsoletos – que podem se tornar descoberta fabulosas –, visitar a Tamba Discos é como passear pela própria infância e juventude, ou mesmo desvendar épocas que não foram vividas. Na pequena sala, há milhares de álbuns, pendurados nas paredes e dispostos nas prateleiras, que já emocionaram muitas pessoas e estão prestes a emocionar o próximo comprador ou o seu destinatário. 

Foto: Amanda Gomes

A Tamba Discos possui diversos álbuns que marcaram décadas e gerações. Tristes ou alegres, algumas músicas têm o poder de acessar memórias e trazê-las à tona como um tufão, varrendo todos os pensamentos que encontram pela frente e ativando apenas uma cena, um gesto, um olhar, um sorriso, um sentimento, uma vontade. A música transgride as regras do tempo. Através de apenas uma nota, pode-se reconhecer o que foi a trilha sonora de uma história. Se o arranjo inicial pode remeter imediatamente ao todo que compõe a melodia responsável por embalar uma fase da vida, o refrão é capaz de deixar o coração em frangalhos e os olhos mareados, acelerando a pulsação e fazendo-nos mergulhar nas lembranças. 

“Desde criança eu tenho familiaridade com a música, os discos sempre estiveram à minha volta através da coleção que era do meu pai.” 

Michel Munhoz, de 37 anos, é bem mais do que o atendente da Tamba Discos que vende LPs e CDs novos e, em sua maior parte, usados. Ele é amante e profundo entendedor de música. Apaixonado por rock in roll, ele já fez parte de bandas do gênero e segue desenvolvendo trabalhos musicais em estúdio para diversos fins. Por isso, suas vidas pessoal e profissional são atreladas à música. “A música, além de fazer parte do meu trabalho aqui na loja, está presente nas atividades que desenvolvo fora daqui e que também geram parte da fonte do meu sustento”, destaca Munhoz. 

“Antes de trabalhar na Tamba Discos, eu já frequentava esse lugar há mais de 20 anos.” 

Há cinco anos, o musicista conduz o empreendimento que muito frequentou na juventude. Ele relata que, quando o dono da Tamba Discos estava precisando de alguém que conhecesse a loja e as sutilezas que ela possui para nela trabalhar, logo surgiu o interesse de Munhoz em ocupar vaga sugerida. “Isso era para ter durado cerca de seis meses, só para quebrar um galho, mas ainda estou aqui”, ele vibra. Enquanto seu colega de trabalho e proprietário do comércio vai em busca de vinis que possam ser revendidos por eles, Munhoz se preocupa em atender o público cativo do lugar e indicar os álbuns que se aproximam do gosto musical de cada um. “A faixa etária que costuma procurar nossos produtos vai dos 20 aos 80 anos, nosso público é muito variado”. Munhoz conta que, assim como a idade dos clientes, os gêneros musicais procurados por eles são abrangentes. Embora o forte da loja sejam os álbuns de rock in roll e pop, os discos de música clássica, Música Popular Brasileira (MPB), jazz e orquestras também são requisitados. 

Foto: Amanda Gomes
 
“O disco que mais me pedem é o Tropicália ou Panis et Circenses, mas faz tempo que ele não passa por aqui.” 

Gravado em estúdio, com composições e interpretações de Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé; dos poetas José Carlos Capinam e Torquato Neto e do maestro Rogério Duprat, o disco Tropicália ou Panis et Circenses foi lançado em julho de 1968. Símbolo máximo do que significou o movimento tropicalista, idealizado musicalmente por Caetano e Gil, a obra sintetiza as angústias e ambições da geração que viveu o final dos anos 1960 e início da década de 1970. Munhoz diz que relíquias como essa são raras de se ver no mercado e, quando são encontradas, o preço é bastante alto (podendo ultrapassar R$ 100).

 “O disco que eu considero um verdadeiro patuá da loja é do Daminhão Experiência.”

O bilhete junto ao disco demonstra a admiração
do pessoal da loja por Daminhão, que é considerado por eles
o "pai" da música experimental.
Foto: Amanda Gomes

Munhoz relembra que várias pessoas já quiseram comprar o álbum, mas ele sempre fez questão de ressaltar que o disco não estava à venda. “Os conterrâneos do Daminhão Experiência (nascido no Rio de Janeiro), ou quem teve oportunidade de conhecer o trabalho dele, se virem o disco vão querer leva-lo”, decreta o musicista. “Um cliente carioca, que chegou a conhecer o Daminhão, veio aqui na Tamba e contou sobre a história do artista, super interessado em comprar o LP, mas eu não vendi não”, ele ressalta. De acordo com Munhoz, o próprio Daminhão teria gravado seu LP de modo artesanal em sua casa. “Se tu escutares esse disco, verás que ele tem muitas músicas experimentais”, alerta o atendente. Segundo ele, o mais curioso sobre Daminhão, que ainda é vivo, é que o artista começou a produzir seus próprios discos nos anos 1970, após se aposentar da Aeronáutica, e a tocar nas ruas de Botafogo. “Esse cara é uma lenda urbana do Rio de Janeiro”, exclama o musicista. 

“Em primeiro plano, o que é mais especial no vinil é a sua sonoridade.”

Para Munhoz, a sonoridade do vinil é única. “O som do LP é analógico, não é como um compact disc, cuja sonoridade é totalmente esterilizada e a reprodução parte de uma leitura binária. O vinil não, experimenta escutar a intensidade dos graves, a musculatura do som, a fricção do acetato da matéria vinílica”, ele pontua. O musicista fala ainda sobre a maneira adequada de se apreciar um vinil: “Como a agulha faz a reprodução do som pelo contato com o LP, através do sistema analógico, ela também capta sons externos, por isso o ambiente pode ajudar ou atrapalhar a escuta do ouvinte”. O método de gravação da voz e dos instrumentos das canções no plástico do disco é um processo físico. Os sons ficam guardados nas ranhuras pelas quais passeia a agulha. “O caminho que a agulha percorre não é linear, ela oscila, muda de nível, e o próprio vinil balança à medida que ele gira e faz a música tocar”, reflete Munhoz ao descrever um objeto atemporal. 

“Ler um encarte é como folhear um livro.” 

Conforme Munhoz, é isso que prende a atenção das pessoas e faz com que elas sintam necessidade de pegar o vinil na mão, examinar os detalhes das imagens, folhear o material, dar uma olhada na ficha técnica. É como ler um livro: ao manusear o disco a gente imagina as coisas, viaja ouvindo o álbum e, ao mesmo tempo, tem o contato com ele”. Ele conta que alguns discos chegam na loja em estado deplorável. “Nós fazemos um trabalho criterioso para receber LPs de boa qualidade. Não adianta o disco ser raro e seu estado de conservação estar péssimo”, ele pondera. 

Foto: Amanda Gomes

“Eu lembro de um disco do Zé Ramalho, que tinha uma dedicatória enorme dentro, com assinatura e data de 1978, mesmo ano de lançamento do LP.” 

Acompanhando o universo das trocas que uma loja de artigos usados promove há bastante tempo, Munhoz relembra algumas histórias curiosas de remetentes e destinatários que são eternizadas nas capas e nos encartes dos discos. “Quando fiz a leitura do texto, notei que a pessoa estava com o sentimento à flor da pele para dar aquele disco de presente, mas não percebi se ela queria desfazer o relacionamento ou reatar, porque o sentido das frases era dúbio”, narra ele. O musicista diz que já vendeu esse LP e que, quando o cliente se interessou pelo material, ele fez questão de mostrar a dedicatória, temeroso de que isso impedisse o negócio. “Daí o cara me disse: ‘Nossa! Eu vou levar esse disco, eu preciso levar esse disco’, e eu pensei: Poxa, que legal, ele leu e gostou”. Para o músico, a graça das dedicatórias é que elas são encontradas de surpresa. “Eu não separo os discos que têm dedicatória dos que não têm, e cada vez que a gente se depara com uma, a novidade é inevitável”.

 “O disco é a passagem do tempo.” 

Quando se está gravando e produzindo, desenvolve-se um trabalho de registro. De acordo com Munhoz, gravar um álbum é como fotografar: “O que é prensado e gravado no disco, vai estar ali eternizado”. Segundo ele, um LP possui uma durabilidade muito grande. O musicista afirma que as gravações de um CD, por exemplo, podem sumir em um período muito mais curto do que as de um disco de vinil. “O vinil tem essa atemporalidade”, reitera ele. Conforme Munhoz, ao fazer uma canção, o compositor pode tratar de um tema que deve ficar datado, como a ditadura militar no Brasil, ocorrida na década de 1960, por exemplo. “Tem vinis que possivelmente servem como objetos de pesquisa de determinada época, funcionando como um arquivo da cultura”, acrescenta ele. Quando pergunto sobre a música que traz boas lembranças aos próprios ouvidos do musicista, ele diz que essa pergunta, feita dentro de uma loja de discos, é difícil de ser respondida. Concordo com ele, mas insisto que certamente existe uma letra que marcou uma fase de sua vida. Então, Munhoz posiciona uma das mãos no queixo e começa a olhar para a parede repleta de capas, até que encontra o álbum Ocean Rain, da banda inglesa Echo and the Bunnymen, de 1984. 

Michel Munhoz com um dos seus discos favoritos.
Foto: Amanda Gomes


“Neste disco tem uma música que eu gosto muito e me lembra esta mesma loja há uns 20 anos, quando eu comecei a trabalhar nela e este disco estava exposto. Na época eu o comprei e ainda ouço.” 

Sete Mares (Seven Seas) 
Echo And The Bunnymen 

Apunhale um coração arrependido
Com o seu dedo favorito
Pinte o mundo inteiro de azul
E pare as suas lágrimas de remorso
Ouça o canto dos trogloditas
Boas notícias eles estão trazendo

Sete mares
Nadando-os tão bem
Contente de ver
A minha face entre eles
Beijando o casco da tartaruga

Um desejo
Por uma nova sensação
Pertencimento
Ou apenas ajoelhar-se eternamente
Onde está o sentido no roubo
Sem a graça de ser ele

Sete mares
Nadando-os tão bem
Contente de ver
A minha cara entre eles
Beijando o casco da tartaruga

Queimando minhas pontes
E destruindo meus espelhos
Voltando para ver se você é covarde
Queimando as bruxas com mãe religiosa
Você acenderá o fósforo e me banhará
Em jogos aquáticos
Lavando as rochas abaixo
Ensinado e amansado
A tempo com fluxo de lágrima

Sete mares
Nadando-os tão bem
Contente de ver
A minha cara entre eles
Beijando o casco da tartaruga

Sete mares
Nadando-os tão bem
Contente de ver
A minha cara entre eles
Beijando a tartaruga

Sete mares
Nadando-os tão bem
Contente de ver
A minha cara entre eles
Beijando o casco da tartaruga


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Evoé
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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Sarau Gente de Palavra Transoceânico




Atravessando os mares e chegando às terras lusas, Gente de Palavra em parceria com o inspirador espaço, Salão Brazil, e organização de Michelle C. Buss, realizam o Sarau Gente de Palavra Transoceânico. 
Um pouquinho da poesia contemporânea brasileira e portuguesa colore o espaço do evento, criando um momento para compartilhar também a poética e a música de outros recantos do mundo. É poesia e música sem fronteiras, poesia e música que atravessam oceanos, montanhas, cidades, que pousam nos corações, palpitam nos lábios e nos corpos. Poesia e música que voam livre, que são vida e se reinventam.
O sarau terá microfone aberto, então, traz teus escritos, traz tuas músicas, ou de artistas favoritos, traz amor e vem compartilhar, construir esse momento especial e de muita arte.

Presenças poéticas e musicais confirmadas:

Amanda Gomes
Felipe Loureiro
Fernanda Lacombe
Filipe Furtado
João Rasteiro
Michelle C. Buss
Pires Laranjeira
Poetas do Amanhecer
Tom Barreto

Confira o trabalho de Tom Barreto, que fará a arte fotográfica do evento:



Quando: 26/11/2015
Onde: Salão Brazil
Horário: 22 horas
Entrada: Gratuita




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 Evoé
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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Medo e amor

Se te desejo tal qual um arauto
Teus olhos verdes me põem numa cela
Te quero envolto em meu ardente abraço
Me queres doce e com assaz cautela

Não pensas tu que és meu amor primeiro
Meu sangue ferve e já me ponho nua
Antes de ti, calor e fogareiro
Não esqueças que nem sempre fui tua

Amanda Gomes

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Evoé
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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Análise do filme O Homem do Pau-Brasil

Capa do DVD do filme O Homem do Pau-Brasil

A percepção que a maioria tende a ter perante um filme como O Homem do Pau-Brasil tende a ser negativa, visto que ele aborda – de modo totalmente experimental – vários aspectos polêmicos, originais e conflitantes entre si. Conforme explica Walter Benjamin, o convencional é apreciado acriticamente e o que é uma representação genuína do novo, com aversão. Assistindo ao filme, o espectador, que está habituado a uma narrativa cinematográfica linear clássica (holiwoodiana), sente a provocação do enredo através do frenesi da sucessão de imagens carregadas de teatralidade, além de diálogos e falas complexas. Esses fatores possibilitam que haja um "ruído" na comunicação do diretor do filme com o espectador, ao ponto que, para Luis Martino, há comunicação quando duas consciências se comunicam e compreendem a mesma mensagem. 
A obra cinematográfica, que retrata a introdução do Modernismo no Brasil através de uma de suas figuras mais importantes, Oswald de Andrade, é minada de peculiaridades. Uma delas é justamente o fato de Oswald ser representado por dois atores ao mesmo tempo: um homem e uma mulher. Essa é a tentativa de evidenciar o lado masculino e o lado feminino do artista. A dificuldade inicial de compreender o filme pode estar vinculada à estranheza que sentimos ao ver Oswald, uma pessoa física, sendo representado por duas pessoas ao mesmo tempo. Isso se deve ao fato de que a representação conjunta pretende dar conta da personalidade de Oswald, ou seja, representá-lo como um objeto formal, e não apenas o corpo físico como objeto material. 
Como afirma Foucault, pensar é um ato de violência. Não há como pensar no meio termo, pensar é se auto-afirmar de algum lado. Os modernistas, por sua vez, sustentavam seus pensamentos contraculturais através da auto-afirmação frequente que praticavam. Eles se propuseram a pensar e discordaram, em vários âmbitos, do sistema vigente na arte, na política, na igreja. Portanto, produziram diferença ao se comunicarem, querendo desconfigurar e desnaturalizar as coisas. No longa-metragem, há uma predominante comunicação verbal, e esse tipo de linguagem foi fundamental para que o movimento prosperasse. Algumas falas eram reproduções de importantes obras da época como, por exemplo, o Manifesto Antropófago de Oswald, que colaborou significativamente para a passagem de um pensamento “cultural” para um pensamento “contracultural”.
Para Lucien Sfez, a comunicação é a nova religião capaz de articular todos os saberes possíveis. Bem como Adriano Rodrigues afirma que com o surgimento do “campo dos média”, os campos deixaram de estar conectados com a religião, que os agregava, e passaram a ter como centro “universalizante” a comunicação. Oswald, nesse sentido, representa um pastor. Pois quem seria melhor para que possamos entender esses meios, senão o artista que é, ao mesmo tempo, meio e mensagem? Oswald é fruto desse meio e mensagem do meio, tem a capacidade de reunir pessoas em torno do seu trabalho, contemplando e pensando sobre suas ideias. Outro exemplo de artista que serve como meio para a disseminação do Modernismo é Tarcila do Amaral. Fica evidente sua capacidade de comover outrem quando ela mostra um quadro seu, chamado “A Negra”, a uma negra francesa, a qual fica instantaneamente estupefata ao se deparar com a pintura por reconhecer no quadro a figura de sua avó. Essa catarse da espectadora diante da bela arte está diretamente ligada à aura de que fala Walter Benjamin.
Os modernistas são contrários à dominação da Igreja. No filme, os padres se aproveitam da fé e exercem uma comunicação que persuade os fiéis, seja os extorquindo - como no caso das viúvas -, seja os doutrinando - como no caso dos índios. Segundo Adorno, isso seria a transformação dos bens simbólicos em mercadoria. A fé estaria, então, sendo transformada em mercadoria. Durante uma cena, por exemplo, alguém está abrindo os baús dos padres, os quais tentam impedir alegando que lá dentro não havia nada mais além de “instrumentos de disciplina”. Podemos relacionar essa situação à filosofia do Adriano Rodrigues, que diz que um campo desenvolve uma série de instrumentos pedagógicos para fazer as pessoas aderirem a ele.
Conforme Adriano Rodrigues, para um campo social poder se sobressair e se desenvolver, é necessário que seus rituais sejam expostos. O Modernismo, por seu turno, expôs intensamente os seus rituais no ambiente artístico e cultural da época e, assim, acabou tendo repercussão. Segundo Martino, estar infectado pela cultura é amplo, geral e irrestrito. De modo que quem é “infectado” precisa disseminar essa nova visão ou “vírus” e desbancar os movimentos existentes. Este último aspecto pode ser associado à crítica de Adriano que declara que a comunicação propõe o bom senso, uma política de interpretação, ou até mesmo a ironia de zombar das diversas teorias e do cenário da vida cotidiana. 
Em “O Homem do Pau-Brasil”, há um diálogo entre Rosa e os personagens que representam as personalidades do Oswald em que aquela vai dizer: “vocês precisam compreender a arte por suas causas materiais. O modernismo é o período alto do burguês no primeiro café valorizado. Feito por vocês, pessoas assim como café: de uma valorização toda artificial”. Seguindo a lógica do Adorno e da Indústria Cultural, toda a cultura transformou-se em produto, em mercadoria. Desse modo, o indivíduo também acaba se tornando uma mercadoria, e a cultura é absorvida de forma a se transformar em prestígio para o indivíduo, não em conhecimento. A figura masculina de Oswald responde: “Imagine. Nós, artistas anônimos na revolução!”. Tal resposta evidencia que a cultura começa a ser valorizada artificialmente, uma vez que o seu conteúdo deixa de ser o essencial e dá lugar à capacidade que ela tem de promoção do indivíduo.
Pelas dimensões analisadas aqui, e por outras tantas, a conclusão a que Vera França chegou parece ser cada vez mais pertinente: a modernidade não descobriu a comunicação, apenas a problematizou.

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Evoé
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segunda-feira, 9 de novembro de 2015

La mujer sin miedo - Eduardo Galeano

Vendo esse vídeo em que Eduardo Galeano lê "La mujer sin miedo" senti a vontade imensa de compartilhá-lo, lançando a toda(o)s a reflexão que traz esse texto do poeta uruguaio. 
Compartilho esse vídeo como forma de uma pequena homenagem às mulheres sem medo, que se conhecem, se respeitam e se valorizam. Para todas as mulheres que honram o empoderamento do feminino sem se fecharem para o mundo. Para todas que não permitiram que a insegurança de seus companheiros apagassem seus sonhos, o sorriso nos lábios e capacidade de amar.





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Evoé
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domingo, 8 de novembro de 2015

Renúncias

Renunciei o universo,
os céus,
as estrelas,
os deuses,
o vinho,
as posições políticas,
o egoísmo,
e anunciei o amor.

(Gabriel Silveira)


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Evoé
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quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O Mestre dos Quebra-Cabeças



Betsy Carter é a autora de "Nothing to fall back on", que se tornou um best-seller. Em seu terceiro romance "O Mestre dos Quebra-Cabeças" é retratada a trajetória de Flora e suas irmãs que vão para os Estados Unidos fugindo da Alemanha Nazista, assim como a de Simon que quando criança foi mandado para NY pela família com a esperança de uma vida melhor. O livro conta a diversidade da vida do menino que sempre batalhou muito para poder se sustentar, uma vez que ele era uma criança sozinha. Simon consegue se tornar um empresário quando ele cria um jogo para ser vendido junto com lanches como brinde ele cria “o quebra cabeças”, Flora e Simon se casam, embora tenham uma vida agradável juntos, nas finanças, nem Simon nem Flora conseguem esquecer seus parentes e começam uma busca heroica para tentar salvar suas famílias. O livro não só conta a história de alguns judeus que sobrevivem à Alemanha Nazista, como mostra uma história com muita humanidade e a compaixão do casal por quem está sofrendo, descreve do ponto de vista dos judeus imigrantes dentro dos Estados Unidos o quanto eles sofrem os obstáculos que passam, mas sempre mostrando a coragem deles perante as adversidades. O que toca no livro também é o fato da história ter sido vivida pela família da autora, o que permite criar um laço com os personagens por sentir que são reais, assim como notar a riqueza de detalhes que ela coloca a personalidade. E também a pobreza de NY no início do século XX. Um livro que não só conta sobre personagens, mas que te faz viver os personagens, suas dores, seus anseios, sua fome, seu medo, sua saudade, um livro que mostra o potencial da escritora Betsy Carter.


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Evoé
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Sonoridade Elétrica

Poema presente no livro Mosaicos, de Michelle C. Buss, e interpretado pelo poeta e jornalista Guilherme Ziggy. Fecha os olhos para ouvir e se permita viver o poema ;)





Gosto da sonoridade elétrica
da palavra inglesa storm.
Sussurrada à meia voz,
storm tinge o céu com o lampejo de raios,
o rugido de trovões.
Conjura lendárias cantigas
de variações de ventos.
Água e Ar.
Um sopro crispa os céus,
o argento das nuvens,
molha a terra com rebeldia.
Água pura
Fecunda Terra


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Evoé
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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Paquetá

Navegando naquelas águas tensas
Vales e cristas deixam o seu rastro
Meu coração suplica, eu me alastro,
Gozo, ignoro comoções detentas

Da proa, se vislumbra já a ilha
Não há carros, cavalos há nas ruas
Crianças brincam e mergulham nuas
Homens morenos guardam a baía

Voam gaivotas brancas e perenes
Pescadores se lançam em suas redes
Ao longe, ouve-se alguma canção

Quando cai a noite, rangem os gonzos
Se recolhem ou partem, meio zonzos
Os ilhados que habitam e os que são


Amanda Gomes



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Evoé
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sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Negação da própria identidade em Brejo da Cruz, de Chico Buarque


Chico Buarque de Holanda é um dos maiores nomes da canção popular brasileira. Cancionista reconhecido nacional e internacionalmente por sua excelência, ele alcançou esse patamar graças à sua formação intelectual e histórica. Filho do jornalista, historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, cujas obras se tornaram peças-chave para a interpretação do Brasil, Chico teve acesso não só a livros de história, mas também a obras literárias e poéticas que influenciariam diretamente sua dicção sofisticada e formalidade poética, que seguem o modelo ritualístico das obras clássicas. Chico também teve o privilégio de conviver com musicistas e poetas, amigos de seu pai, do gabarito de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Além de seu olhar atento e da delicadeza de traduzir o que via, a convivência com tais sumidades do meio intelectual que pensavam, questionavam e tentavam traduzir o Brasil através de suas obras, influenciou o método de sua construção e a interpretação do país por meio de uma narrativa cancional singular e muito próxima da realidade da época.
Vale destacar o estranhamento de alguns leitores ao perceberem que o presente texto, ao se referir ao cantor e compositor, chama-lhe apenas pelo primeiro nome, e não pelo sobrenome, como é habitual em algumas culturas. Ocorre que, entre os brasileiros, essa formalidade se faz ausente. Sergio Buarque de Holanda, para tentar explicar esse fenômeno, criou a teoria do homem cordial, que admite a aversão brasileira à formalidades e a necessidade de criar laços com o próximo a fim de torna-lo íntimo. Para o autor, há certa negação do sobrenome, que dá lugar aos apelidos – usuais até mesmo para dirigir-se a celebridades, como o jogador de futebol “Pelé”.
O disco intitulado Chico Buarque, de 1984, contém a música Brejo da Cruz, uma de suas obras primas em relação à descrição do cotidiano carioca do morador do morro que desce para o centro todos os dias e mantém sua vida de constante exilado. De acordo com Chico, a feitura de suas canções alia letra e melodia, de modo que uma coisa está costurada e encontra sentido na outra.
Na referida canção, o ritmo é incessante. Com apenas dois tons: um mais agudo e outro mais grave, a harmonia os reveza e constrói uma sequência que lembra um movimento continuo, como marteladas ou a linha de uma fábrica. Em seguida, o que quebra a repetição é um som que remete a uma corda se arrebentando, algo que, aparentemente, acaba com a harmonia contínua. Esta, por sua vez, embora abafada pelo som estrondoso, volta a imperar na melodia emergindo – com efeito fade in – do som que a interrompeu. A melodia passa a ideia de retorno, a qual impossibilita qualquer escapatória. É impossível não vincular o ritmo com a letra e com o tema sobre o qual ela versa depois de ouvir a canção. A construção de Chico é instigante, porque tudo na sua música produz algum sentido, nada é em vão.
Segundo Luiz Tatit, o cancionista é um malabarista, pois equilibra a letra na melodia e vice-versa, e, assim, constrói sua gestualidade. Chico, ainda que aparente esforço na construção de sua letras, que seguem modelos de métrica e rima, não perde a fluidez do gesto, já que sua narrativa pode ser facilmente reconhecida e ganha sentido com a entoação e com a melodia. Ele é um cantautor, uma vez que estabelece que o compositor deve cantar suas canções para dar segmento ao gesto estético.
A letra de Brejo da Cruz, além da tensão que provoca fazendo o receptor reconhecer, imediatamente, a Zona Sul carioca e, posteriormente, qualquer centro do Brasil, provoca decantações em sua interpretação, que ganham forma de tristeza, agonia e certa angústia incapacidade de resolver os problemas alheios. E, para além do reconhecimento, a letra dessa canção também engendra a aflição de quem torna o que, em princípio, é exótico, em familiar. Chico parece construir o lugar dos favelados e, ao ouvir a canção, não é difícil aceitar isso. Ao começar entoando que: “a novidade que tem no Brejo da Cruz é a criançada se alimentar de luz”, o cancionista apresenta uma forma estética admirável – através da rima e dos versos métricos – que contrasta com a crueza dos versos que ele está dizendo. O mesmo acontece ao longo da canção, que tem caráter literário, visto que conta várias histórias que desencadeiam para o mesmo fim.

A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas-noturnos, casais
São passageiros
Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz

Chico canta como quem observa os que personagens que ele descreve, como passageiros, guardas-noturnos, refere-se a “uma gente”, com distanciamento. Nota-se certo paternalismo em suas canções, na medida em que ele julga que é preciso dar voz à periferia, a qual, em princípio, teria capacidade de expressar-se sozinha. Atualmente, isso é condenável porque um dos movimentos mais ativos dos moradores do morro é lutar pelo seu espaço e afirmar cada vez mais a sua voz, que já pode ser ouvida em outros ambientes, não só na favela.
Se essa canção aborda, por um lado, a pobreza e os trabalhadores de rua que descem e sobem o morro e continuam com uma vida miserável, também trata da ascensão social dos favelados, “que se disfarçam tão bem” de “casais, passageiros, bombeiros e babás”. Esses cargos, na canção, representam a ascensão social de quem conseguiu sair da favela e a camuflagem favorável de se parecer com quem sempre morou no centro da cidade. Desse modo, Chico toca na ferida da sociedade, que procura ignorar os favelados e que eles mesmos, quando ascendem, também ignoram a miséria e a fome pela qual passaram.
O compositor evidencia a negação de identidade e a necessidade de esquecer o passado sofrido dos trabalhadores que descreve. A contradição do não reconhecimento da própria história e da tentativa de ignorar um passado que envergonha, explicita um tipo de preconceito tão estabelecido no Brasil, que não é só o julgamento alheio, mas o próprio julgamento que condena o passado pobre de quem ascendeu, como se não pudesse haver orgulho de passar da miséria para uma vida digna.

Amanda Gomes

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Evoé

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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Revista Gente de Palavra 35

 
Revista Gente de Palavra 35, a qual eu fui a poeta homenageada, já está disponível para baixar. Para quem não sabe, o grupo Gente de Palavra disponibiliza o download gratuito de cada uma das edições da revista. Davi Kinski, Benette Bacellar, Renato de Mattos Motta, Diego Petrarca, Neli Germano e muitos outros poetas marcam presença nas edições da revista. Confere lá! =)



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Evoé
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terça-feira, 27 de outubro de 2015

A um cantor

Fotografia: Amanda Gomes

Entra no palco, o destemido moço
As suas letras, donde advieram?
No violão, as cordas reverberam
Seus finos dedos causam alvoroço

Clarividente, mostra o que se é
A pura rima não lhe aborrece
Dissonantes, as notas a iridescem
Foi a Bahia que lhe deu axé!

A voz suave tal qual um gemido
Quando se lança, revela-se timbre
E corrobora com o que foi dito

Se um copo nunca quedará vazio
Cantor que espelha outra dimensão
Não deixa nada esbarrar no rio

Amanda Gomes

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Evoé

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sábado, 24 de outubro de 2015

"Sal, topázio e mercúrio" no programa Tons & Letras


Para os que não puderam ouvir minha entrevista sobre o meu segundo livro de poemas, "Sal, topázio e mercúrio", no Tons & Letras, de Luis Dill, do dia 29/08/2015, segue o link. Aos 13 minutos a entrevista pode ser ouvida: 




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Evoé
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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O resgate da geleia geral na idade da pedrada

Imagem da capa do álbum Tropicalia ou Panis et Circensis
A década de 1960 superou o momento de luto vivido nas décadas anteriores (1940-1950), tanto nos movimentos artísticos, como cinema e teatro, quanto no exercício cancional. Os anos 1940 e 1950 foram calcados por um sentimento generalizado de pesar, provocado por uma série de acontecimentos como a passagem pela 2ª Grande Guerra, findada em 1945, e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954.
No Brasil, a dor era refletida nas artes e, sobretudo, na música. Os intérpretes valiam-se de tons passionais e durações melódicas (TATIT, 2002) traduzindo na voz certo sofrimento e clamor. Para o teórico Luiz Tatit, o cantor, além de representar um corpo vivo, também é um corpo imortalizado em sua extensão timbrística, uma vez que “[...] ultrapassa a realidade opressora do dia-a-dia, proporcionando viagens intermitentes aos seus ouvintes”. De acordo com o autor, o cancionista substitui as tensões do cotidiano e as substitui por tensões melódicas, em que só se inscrevem conteúdos afetivos ou estímulos somáticos. Uma canção que se aproveita disso nitidamente é Conceição (1946), de Dunga e Jair Amorim, interpretada por Cauby Peixoto. Este cantor maximiza a dramatização da letra, a qual conta a história de uma personagem que desce do morro para a cidade e prova alguns amargores. Conceição, cuja letra é construída por antagonismos, é entoada com grandes intervalos e alongamentos de vogais.
No início dos anos 1950, canções como Conceição predominavam no rádio, mídia bastante difundida entre os arautos do Tropicalismo antes da explosão da Bossa nova – nessa mesma década –, gênero musical que revigorou e atualizou a tradição do samba de 1930, produzindo um tipo de canção pronta para ser exportada. Além disso, a Bossa Nova trouxe uma melodia cadenciada, capaz de ressuscitar os espíritos que até então viviam sombrios. Outro ritmo que surge na linha da modernização da música brasileira para reavivar as referências internacionais é o rock. Os musicistas brasileiros, em um gesto antropofágico, criam o rock nacional incorporando o “iê-iê-iê”, ritmo consagrado na década de 60 pela Jovem Guarda. O Tropicalismo, que emerge por volta de 1967, por sua vez, está no meio disso tudo: absorve os ritmos que fazem parte de uma linha passional – como boleros, sambas-canção e ritmos latinos –, a Bossa Nova, o rock nacional – cujo instrumento mais simbólico é a guitarra elétrica – e a música nordestina, incorporada principalmente através do Baião.
Desde os Festivais ocorridos em 1967, havia cantores protestando, através de suas músicas, contra a ditadura militar que se instaurou no país em 1964. Com a aprovação do AI 5, em 1968, que, entre outras coisas, concedia poderes extraordinários ao presidente da república, permitia censura prévia e dispensava habeas corpus – acabando com os direitos individuais –, fez com que a tensão da época aumentasse. O que acontecia na política brasileira era refletido em todos os outros âmbitos. Com a implantação de mais esse decreto, houve um rompimento com o engajamento e a reificação que vinham sendo construídas na música brasileira. E o tropicalismo foi em busca de caminhos alternativos e incendiários: não esteve nem à esquerda nem à direita, permaneceu nos entremeios. Segundo as ideologias do movimento, todo engajamento é falso; portanto, é inútil tomar alguma posição definitiva.


Caetano Veloso cantando Alegria, Alegria no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. 

O cantor e compositor Caetano Veloso é considerado o mentor do Tropicalismo, visto que sua atitude irreverente e a capacidade de estar sempre atento às possibilidades da canção brasileira, seja a moderna ou suas antecessoras, fizeram-no tomar a frente do movimento. Veloso, ao acompanhar trabalhos digressivos e questionadores, como o do cineasta baiano Gláuber Rocha e a peça teatral O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, percebeu que era possível e, sobremodo, necessário, acoplar as mudanças que aconteciam nas artes à música brasileira. A consciência provinciana do compositor, que vivia na cidade de Santo Amaro, no interior da Bahia; a necessidade de se transmutar para a metrópole, escolhendo morar em São Paulo; o acesso que ele teve à filosofia, principalmente ao existencialismo de Sartre (VELOSO, 1997) e à literatura, influenciado principalmente por Clarice Lispector e Guimarães Rosa, não devem ser desprezadas ao se pensar na idealização do projeto tropicalista. Além disso, a figura modernizadora de João Gilberto era cultuada por Veloso desde que o ouviu pela primeira vez. O fato de João Gilberto também ser baiano, de Juazeiro, e ter sido responsável por uma revolução na canção brasileira até então dominada pelos cariocas cosmopolitas Tom Jobim e Vinicius de Moraes, deu a Caetano ainda mais certeza de que era preciso preparar uma invasão.
Roberto Schwarz afirma, no seu livro Cultura e Política (1964-1969), que o Tropicalismo elaborou sua dicção sobrepondo avanço e atraso, o que resulta em uma forma de sensível poder alegórico. Ora, o princípio tropicalista é a interdependência entre avanço – o que se dá através de sua dicção – e atraso – o que se dá nos resgates de ritmos como o baião e de canções como Coração Materno, de Vicente Celestino). O Tropicalismo é, antes de tudo, a incorporação do que é desprezado. Daí a importância da visão provinciana de Veloso e de seus companheiros baianos que se mudaram para São Paulo – Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia (que formavam, juntamente com Caetano, o grupo Doces Bárbaros) e Tom Zé –, única capaz de sentir necessidade de unir o antigo e o novo, traduzindo-os em algo transgressor que reafirme suas identidades mesmo em um terreno arredio. A concretização dessa atitude fez com que eles dirigissem a cultura pop brasileira nas décadas seguintes.
Conforme Schwarz, “no conjunto de seus feitos secundários, o golpe (1964) apresentou-se como uma gigantesca volta do que a modernização havia relegado”. Os tropicalistas desconstroem tudo na medida em que questionam instituições como a família, a igreja, o trabalho, a pátria. No entanto, as críticas produzidas pelos tropicalistas são permeadas por alegorias que não deixam transparecer, de imediato, sobre o que eles estão falando. A sexta faixa do disco Tropicália ou panis et circencis (1968), Geleia geral, composta pelo poeta e jornalista Torquato Neto e interpretada por Gilberto Gil, geleia geral possui uma letra que, em princípio pode parecer confusa pela profusão de temas de que trata. Porém, a letra de manifesto da canção encerra os principais elementos do Tropicalismo.

Santo barroco baiano
Super poder de paisano
[...]
Três destaques da Portela
Carne seca na janela
Alguém que chora por mim
[...]
Plurialva, contente e brejeira
Miss linda Brasil diz: "Bom Dia"
[...]
Pego um jato, viajo, arrebento
Com o roteiro do sexto sentido

A valorização da criação popular brasileira e dos ícones normalmente desprezados pela cultura, englobando desde o santo barroco aos concursos de Miss e do avião a jato à carne seca na janela, traduz uma tentativa de incluir a população brasileira em um mundo visível que é seu, e não importado. Nos anos 1950, com o Planos de Metas do presidente Jucelino Kubitschek e sua proposta de “crescer 50 anos em 5”, o Brasil começou a produzir como os centros (Estados Unidos e países europeus), mantendo-se na “modernidade periférica” do subdesenvolvimento. Desse modo, a cultura americana começou a ser importada e influenciar veementemente o comportamento dos brasileiros. A canção de Torquato tenta negar a cultura alheia e ressaltar a cultura nacional – sem ser ufanista –, admitindo a miscigenação que aqui vigora e a qual devemos “comer”.
A frase “a alegria é a prova dos nove” é uma nítida referência a Oswald de Andrade, o mesmo que faz o Manifesto Antropofágico, cujo sentido está presente no fazer cancional que se estende ao longo do Tropicalismo. Além disso, o título da canção ganha razão por meio da mistura de ritmos, por exemplo, como explícito no refrão:

Ê, bumba-iê-iê-boi, ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-iê-iê-iê, é a mesma dança, meu boi

Os dois versos são, contudo, significativos para compreender o que seria o Tropicalismo: o que compara o iê-iê-iê e o bumba-meu-boi, mostrando um caráter ao mesmo tempo globalizante. Mais do que mostrar os dois ritmos, a letra mostra um ritmo costurado no outro, com se ambos tivessem devorado-se.

Minha terra é onde o Sol é mais limpo
Em Mangueira é onde o Samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem
Pindorama, país do futuro

Em busca de construir uma identidade nacional que também leve em conta o interior e as minorias, como os índios, o verso em que Gil exclama ao entoar: “Pindorama, país do futuro!”, traz uma palavra que, em língua tupi se escreve pindó-rama ou pindó-retama. Pindorama significa: "terra/lugar/região das palmeiras", é uma designação para o local mítico dos povos tupi-guaranis, que seria uma terra livre dos males. Justamente o que os dois primeiros versos da estrofe ressaltam: uma terra onde o sol é mais limpo, enfatizando a natureza exuberante, e o samba é mais puro, destacando a alegria brasileira e o carnaval.

E quem não dança não fala
Assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala
As relíquias do Brasil

Todavia, mantendo a tensão e o impasse de ideologias do movimento, os tropicalistas ironizam o amor pelo Brasil pregado pelos governantes durante a ditadura, com frases como: “Ame-o ou deixe-o”, tentando implantar o nacionalismo. À revelia, a letra da canção critica quem não luta (dança) contra o que está acontecendo no período – tanto a juventude conformada quanto as famílias conservadoras “na sala de jantar”, que só se preocupam em nascer e morrer, alienação e egoísmo típicos da época –, e “assiste a tudo e se cala”. A letra apresenta sinuosidade, visto que estão presentes tensões entre o futuro e instituições de outrora. Ademais, “relíquias” ali tem o sentido oposto, ou seja, representa, irônica e alegoricamente, as mazelas que estão ocorrendo no “meio da sala” – torturas, desaparecimentos, mortes – e só não vê quem não quer, pois o Jornal do Brasil anuncia a geleia geral brasileira.

Faz do morro, pilão de concreto
Tropicália, bananas ao vento

Aliando integração e tentativa de formar uma identidade brasileira, o primeiro verso da estrofe faz uma crítica social ao descaso com os moradores do morro que, quando descem para o centro, não têm acesso a outro espaço do que o trabalho braçal ou a mendicância. Entretanto, ao mesmo tempo que defende causas sociais, o Tropicalismo também defende a modernidade, em que é mais ou menos "cada um por si”, ou seja, Caetano e Gil, por exemplo, vieram para o Rio e estavam preocupados em descobrir as possibilidades de suas carreiras e vender discos, o que exigiu deles um posicionamento de direita também, uma vez que, para angariar visibilidade e existir, era preciso aproveitar as mídias vigentes, como o rádio e a TV, meios que não eram oposição ao governo. Por esse posicionamento contra tudo e, ao mesmo tempo, a favor de tudo, por essa necessidade de se auto-afirmar para negar, por essa repulsa a definições estéticas e protestos, o Tropicalismo sempre quis um lugar distinto, e sem amarras, onde ele pudesse iniciar e terminar quando bem entendessem seus membros. Assim, sem compromisso com o resto, a não ser com o próprio movimento, enquanto ele existia, o último verso traduz a sua rebeldia incontornável em um gesto exibido sem pudor: “Tropicália, bananas ao vento”.

No Canecão, na TV
E quem não dança não fala
Assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala
As relíquias do Brasil:
Doce mulata malvada
Um LP de Sinatra
Maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano
Superpoder de paisano
Formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela
Carne-seca na janela
Alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade
Hospitaleira amizade
Brutalidade jardim

Geleia geral é transgressora não só na letra, mas também na harmonia que, além de misturar o baião e o bumba-meu


-boi, tocados por Gil no violão – e não no acordeom, como é típico do primeiro –, é quebrado no instante em que o intérprete aproxima-se muito mais da fala direta ao interlocutor do que da entoação, durante a estrofe exibida acima. Outra quebra acontece no fim da música, porém em vez de o canto desacelerar para aproximar-se do diálogo, a frase: “É a mesma dança, meu boi” é entoada duas vezes de maneira mais acelerada do que o resto da música.

Amanda Gomes


Referências bibliográficas

TATIT, Luiz. O cancionista. 2ª ed. Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo, 2002.
Veloso, Caetano. Verdade Tropical. Companhia das Letras: São Paulo, 1997.



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Evoé
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