sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Negação da própria identidade em Brejo da Cruz, de Chico Buarque


Chico Buarque de Holanda é um dos maiores nomes da canção popular brasileira. Cancionista reconhecido nacional e internacionalmente por sua excelência, ele alcançou esse patamar graças à sua formação intelectual e histórica. Filho do jornalista, historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, cujas obras se tornaram peças-chave para a interpretação do Brasil, Chico teve acesso não só a livros de história, mas também a obras literárias e poéticas que influenciariam diretamente sua dicção sofisticada e formalidade poética, que seguem o modelo ritualístico das obras clássicas. Chico também teve o privilégio de conviver com musicistas e poetas, amigos de seu pai, do gabarito de Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade. Além de seu olhar atento e da delicadeza de traduzir o que via, a convivência com tais sumidades do meio intelectual que pensavam, questionavam e tentavam traduzir o Brasil através de suas obras, influenciou o método de sua construção e a interpretação do país por meio de uma narrativa cancional singular e muito próxima da realidade da época.
Vale destacar o estranhamento de alguns leitores ao perceberem que o presente texto, ao se referir ao cantor e compositor, chama-lhe apenas pelo primeiro nome, e não pelo sobrenome, como é habitual em algumas culturas. Ocorre que, entre os brasileiros, essa formalidade se faz ausente. Sergio Buarque de Holanda, para tentar explicar esse fenômeno, criou a teoria do homem cordial, que admite a aversão brasileira à formalidades e a necessidade de criar laços com o próximo a fim de torna-lo íntimo. Para o autor, há certa negação do sobrenome, que dá lugar aos apelidos – usuais até mesmo para dirigir-se a celebridades, como o jogador de futebol “Pelé”.
O disco intitulado Chico Buarque, de 1984, contém a música Brejo da Cruz, uma de suas obras primas em relação à descrição do cotidiano carioca do morador do morro que desce para o centro todos os dias e mantém sua vida de constante exilado. De acordo com Chico, a feitura de suas canções alia letra e melodia, de modo que uma coisa está costurada e encontra sentido na outra.
Na referida canção, o ritmo é incessante. Com apenas dois tons: um mais agudo e outro mais grave, a harmonia os reveza e constrói uma sequência que lembra um movimento continuo, como marteladas ou a linha de uma fábrica. Em seguida, o que quebra a repetição é um som que remete a uma corda se arrebentando, algo que, aparentemente, acaba com a harmonia contínua. Esta, por sua vez, embora abafada pelo som estrondoso, volta a imperar na melodia emergindo – com efeito fade in – do som que a interrompeu. A melodia passa a ideia de retorno, a qual impossibilita qualquer escapatória. É impossível não vincular o ritmo com a letra e com o tema sobre o qual ela versa depois de ouvir a canção. A construção de Chico é instigante, porque tudo na sua música produz algum sentido, nada é em vão.
Segundo Luiz Tatit, o cancionista é um malabarista, pois equilibra a letra na melodia e vice-versa, e, assim, constrói sua gestualidade. Chico, ainda que aparente esforço na construção de sua letras, que seguem modelos de métrica e rima, não perde a fluidez do gesto, já que sua narrativa pode ser facilmente reconhecida e ganha sentido com a entoação e com a melodia. Ele é um cantautor, uma vez que estabelece que o compositor deve cantar suas canções para dar segmento ao gesto estético.
A letra de Brejo da Cruz, além da tensão que provoca fazendo o receptor reconhecer, imediatamente, a Zona Sul carioca e, posteriormente, qualquer centro do Brasil, provoca decantações em sua interpretação, que ganham forma de tristeza, agonia e certa angústia incapacidade de resolver os problemas alheios. E, para além do reconhecimento, a letra dessa canção também engendra a aflição de quem torna o que, em princípio, é exótico, em familiar. Chico parece construir o lugar dos favelados e, ao ouvir a canção, não é difícil aceitar isso. Ao começar entoando que: “a novidade que tem no Brejo da Cruz é a criançada se alimentar de luz”, o cancionista apresenta uma forma estética admirável – através da rima e dos versos métricos – que contrasta com a crueza dos versos que ele está dizendo. O mesmo acontece ao longo da canção, que tem caráter literário, visto que conta várias histórias que desencadeiam para o mesmo fim.

A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas-noturnos, casais
São passageiros
Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros
Balançam nas construções
São bilheteiras
Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz

Chico canta como quem observa os que personagens que ele descreve, como passageiros, guardas-noturnos, refere-se a “uma gente”, com distanciamento. Nota-se certo paternalismo em suas canções, na medida em que ele julga que é preciso dar voz à periferia, a qual, em princípio, teria capacidade de expressar-se sozinha. Atualmente, isso é condenável porque um dos movimentos mais ativos dos moradores do morro é lutar pelo seu espaço e afirmar cada vez mais a sua voz, que já pode ser ouvida em outros ambientes, não só na favela.
Se essa canção aborda, por um lado, a pobreza e os trabalhadores de rua que descem e sobem o morro e continuam com uma vida miserável, também trata da ascensão social dos favelados, “que se disfarçam tão bem” de “casais, passageiros, bombeiros e babás”. Esses cargos, na canção, representam a ascensão social de quem conseguiu sair da favela e a camuflagem favorável de se parecer com quem sempre morou no centro da cidade. Desse modo, Chico toca na ferida da sociedade, que procura ignorar os favelados e que eles mesmos, quando ascendem, também ignoram a miséria e a fome pela qual passaram.
O compositor evidencia a negação de identidade e a necessidade de esquecer o passado sofrido dos trabalhadores que descreve. A contradição do não reconhecimento da própria história e da tentativa de ignorar um passado que envergonha, explicita um tipo de preconceito tão estabelecido no Brasil, que não é só o julgamento alheio, mas o próprio julgamento que condena o passado pobre de quem ascendeu, como se não pudesse haver orgulho de passar da miséria para uma vida digna.

Amanda Gomes

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Evoé

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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Revista Gente de Palavra 35

 
Revista Gente de Palavra 35, a qual eu fui a poeta homenageada, já está disponível para baixar. Para quem não sabe, o grupo Gente de Palavra disponibiliza o download gratuito de cada uma das edições da revista. Davi Kinski, Benette Bacellar, Renato de Mattos Motta, Diego Petrarca, Neli Germano e muitos outros poetas marcam presença nas edições da revista. Confere lá! =)



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Evoé
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terça-feira, 27 de outubro de 2015

A um cantor

Fotografia: Amanda Gomes

Entra no palco, o destemido moço
As suas letras, donde advieram?
No violão, as cordas reverberam
Seus finos dedos causam alvoroço

Clarividente, mostra o que se é
A pura rima não lhe aborrece
Dissonantes, as notas a iridescem
Foi a Bahia que lhe deu axé!

A voz suave tal qual um gemido
Quando se lança, revela-se timbre
E corrobora com o que foi dito

Se um copo nunca quedará vazio
Cantor que espelha outra dimensão
Não deixa nada esbarrar no rio

Amanda Gomes

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Evoé

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sábado, 24 de outubro de 2015

"Sal, topázio e mercúrio" no programa Tons & Letras


Para os que não puderam ouvir minha entrevista sobre o meu segundo livro de poemas, "Sal, topázio e mercúrio", no Tons & Letras, de Luis Dill, do dia 29/08/2015, segue o link. Aos 13 minutos a entrevista pode ser ouvida: 




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Evoé
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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O resgate da geleia geral na idade da pedrada

Imagem da capa do álbum Tropicalia ou Panis et Circensis
A década de 1960 superou o momento de luto vivido nas décadas anteriores (1940-1950), tanto nos movimentos artísticos, como cinema e teatro, quanto no exercício cancional. Os anos 1940 e 1950 foram calcados por um sentimento generalizado de pesar, provocado por uma série de acontecimentos como a passagem pela 2ª Grande Guerra, findada em 1945, e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954.
No Brasil, a dor era refletida nas artes e, sobretudo, na música. Os intérpretes valiam-se de tons passionais e durações melódicas (TATIT, 2002) traduzindo na voz certo sofrimento e clamor. Para o teórico Luiz Tatit, o cantor, além de representar um corpo vivo, também é um corpo imortalizado em sua extensão timbrística, uma vez que “[...] ultrapassa a realidade opressora do dia-a-dia, proporcionando viagens intermitentes aos seus ouvintes”. De acordo com o autor, o cancionista substitui as tensões do cotidiano e as substitui por tensões melódicas, em que só se inscrevem conteúdos afetivos ou estímulos somáticos. Uma canção que se aproveita disso nitidamente é Conceição (1946), de Dunga e Jair Amorim, interpretada por Cauby Peixoto. Este cantor maximiza a dramatização da letra, a qual conta a história de uma personagem que desce do morro para a cidade e prova alguns amargores. Conceição, cuja letra é construída por antagonismos, é entoada com grandes intervalos e alongamentos de vogais.
No início dos anos 1950, canções como Conceição predominavam no rádio, mídia bastante difundida entre os arautos do Tropicalismo antes da explosão da Bossa nova – nessa mesma década –, gênero musical que revigorou e atualizou a tradição do samba de 1930, produzindo um tipo de canção pronta para ser exportada. Além disso, a Bossa Nova trouxe uma melodia cadenciada, capaz de ressuscitar os espíritos que até então viviam sombrios. Outro ritmo que surge na linha da modernização da música brasileira para reavivar as referências internacionais é o rock. Os musicistas brasileiros, em um gesto antropofágico, criam o rock nacional incorporando o “iê-iê-iê”, ritmo consagrado na década de 60 pela Jovem Guarda. O Tropicalismo, que emerge por volta de 1967, por sua vez, está no meio disso tudo: absorve os ritmos que fazem parte de uma linha passional – como boleros, sambas-canção e ritmos latinos –, a Bossa Nova, o rock nacional – cujo instrumento mais simbólico é a guitarra elétrica – e a música nordestina, incorporada principalmente através do Baião.
Desde os Festivais ocorridos em 1967, havia cantores protestando, através de suas músicas, contra a ditadura militar que se instaurou no país em 1964. Com a aprovação do AI 5, em 1968, que, entre outras coisas, concedia poderes extraordinários ao presidente da república, permitia censura prévia e dispensava habeas corpus – acabando com os direitos individuais –, fez com que a tensão da época aumentasse. O que acontecia na política brasileira era refletido em todos os outros âmbitos. Com a implantação de mais esse decreto, houve um rompimento com o engajamento e a reificação que vinham sendo construídas na música brasileira. E o tropicalismo foi em busca de caminhos alternativos e incendiários: não esteve nem à esquerda nem à direita, permaneceu nos entremeios. Segundo as ideologias do movimento, todo engajamento é falso; portanto, é inútil tomar alguma posição definitiva.


Caetano Veloso cantando Alegria, Alegria no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 1967. 

O cantor e compositor Caetano Veloso é considerado o mentor do Tropicalismo, visto que sua atitude irreverente e a capacidade de estar sempre atento às possibilidades da canção brasileira, seja a moderna ou suas antecessoras, fizeram-no tomar a frente do movimento. Veloso, ao acompanhar trabalhos digressivos e questionadores, como o do cineasta baiano Gláuber Rocha e a peça teatral O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, percebeu que era possível e, sobremodo, necessário, acoplar as mudanças que aconteciam nas artes à música brasileira. A consciência provinciana do compositor, que vivia na cidade de Santo Amaro, no interior da Bahia; a necessidade de se transmutar para a metrópole, escolhendo morar em São Paulo; o acesso que ele teve à filosofia, principalmente ao existencialismo de Sartre (VELOSO, 1997) e à literatura, influenciado principalmente por Clarice Lispector e Guimarães Rosa, não devem ser desprezadas ao se pensar na idealização do projeto tropicalista. Além disso, a figura modernizadora de João Gilberto era cultuada por Veloso desde que o ouviu pela primeira vez. O fato de João Gilberto também ser baiano, de Juazeiro, e ter sido responsável por uma revolução na canção brasileira até então dominada pelos cariocas cosmopolitas Tom Jobim e Vinicius de Moraes, deu a Caetano ainda mais certeza de que era preciso preparar uma invasão.
Roberto Schwarz afirma, no seu livro Cultura e Política (1964-1969), que o Tropicalismo elaborou sua dicção sobrepondo avanço e atraso, o que resulta em uma forma de sensível poder alegórico. Ora, o princípio tropicalista é a interdependência entre avanço – o que se dá através de sua dicção – e atraso – o que se dá nos resgates de ritmos como o baião e de canções como Coração Materno, de Vicente Celestino). O Tropicalismo é, antes de tudo, a incorporação do que é desprezado. Daí a importância da visão provinciana de Veloso e de seus companheiros baianos que se mudaram para São Paulo – Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia (que formavam, juntamente com Caetano, o grupo Doces Bárbaros) e Tom Zé –, única capaz de sentir necessidade de unir o antigo e o novo, traduzindo-os em algo transgressor que reafirme suas identidades mesmo em um terreno arredio. A concretização dessa atitude fez com que eles dirigissem a cultura pop brasileira nas décadas seguintes.
Conforme Schwarz, “no conjunto de seus feitos secundários, o golpe (1964) apresentou-se como uma gigantesca volta do que a modernização havia relegado”. Os tropicalistas desconstroem tudo na medida em que questionam instituições como a família, a igreja, o trabalho, a pátria. No entanto, as críticas produzidas pelos tropicalistas são permeadas por alegorias que não deixam transparecer, de imediato, sobre o que eles estão falando. A sexta faixa do disco Tropicália ou panis et circencis (1968), Geleia geral, composta pelo poeta e jornalista Torquato Neto e interpretada por Gilberto Gil, geleia geral possui uma letra que, em princípio pode parecer confusa pela profusão de temas de que trata. Porém, a letra de manifesto da canção encerra os principais elementos do Tropicalismo.

Santo barroco baiano
Super poder de paisano
[...]
Três destaques da Portela
Carne seca na janela
Alguém que chora por mim
[...]
Plurialva, contente e brejeira
Miss linda Brasil diz: "Bom Dia"
[...]
Pego um jato, viajo, arrebento
Com o roteiro do sexto sentido

A valorização da criação popular brasileira e dos ícones normalmente desprezados pela cultura, englobando desde o santo barroco aos concursos de Miss e do avião a jato à carne seca na janela, traduz uma tentativa de incluir a população brasileira em um mundo visível que é seu, e não importado. Nos anos 1950, com o Planos de Metas do presidente Jucelino Kubitschek e sua proposta de “crescer 50 anos em 5”, o Brasil começou a produzir como os centros (Estados Unidos e países europeus), mantendo-se na “modernidade periférica” do subdesenvolvimento. Desse modo, a cultura americana começou a ser importada e influenciar veementemente o comportamento dos brasileiros. A canção de Torquato tenta negar a cultura alheia e ressaltar a cultura nacional – sem ser ufanista –, admitindo a miscigenação que aqui vigora e a qual devemos “comer”.
A frase “a alegria é a prova dos nove” é uma nítida referência a Oswald de Andrade, o mesmo que faz o Manifesto Antropofágico, cujo sentido está presente no fazer cancional que se estende ao longo do Tropicalismo. Além disso, o título da canção ganha razão por meio da mistura de ritmos, por exemplo, como explícito no refrão:

Ê, bumba-iê-iê-boi, ano que vem, mês que foi
Ê, bumba-iê-iê-iê, é a mesma dança, meu boi

Os dois versos são, contudo, significativos para compreender o que seria o Tropicalismo: o que compara o iê-iê-iê e o bumba-meu-boi, mostrando um caráter ao mesmo tempo globalizante. Mais do que mostrar os dois ritmos, a letra mostra um ritmo costurado no outro, com se ambos tivessem devorado-se.

Minha terra é onde o Sol é mais limpo
Em Mangueira é onde o Samba é mais puro
Tumbadora na selva-selvagem
Pindorama, país do futuro

Em busca de construir uma identidade nacional que também leve em conta o interior e as minorias, como os índios, o verso em que Gil exclama ao entoar: “Pindorama, país do futuro!”, traz uma palavra que, em língua tupi se escreve pindó-rama ou pindó-retama. Pindorama significa: "terra/lugar/região das palmeiras", é uma designação para o local mítico dos povos tupi-guaranis, que seria uma terra livre dos males. Justamente o que os dois primeiros versos da estrofe ressaltam: uma terra onde o sol é mais limpo, enfatizando a natureza exuberante, e o samba é mais puro, destacando a alegria brasileira e o carnaval.

E quem não dança não fala
Assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala
As relíquias do Brasil

Todavia, mantendo a tensão e o impasse de ideologias do movimento, os tropicalistas ironizam o amor pelo Brasil pregado pelos governantes durante a ditadura, com frases como: “Ame-o ou deixe-o”, tentando implantar o nacionalismo. À revelia, a letra da canção critica quem não luta (dança) contra o que está acontecendo no período – tanto a juventude conformada quanto as famílias conservadoras “na sala de jantar”, que só se preocupam em nascer e morrer, alienação e egoísmo típicos da época –, e “assiste a tudo e se cala”. A letra apresenta sinuosidade, visto que estão presentes tensões entre o futuro e instituições de outrora. Ademais, “relíquias” ali tem o sentido oposto, ou seja, representa, irônica e alegoricamente, as mazelas que estão ocorrendo no “meio da sala” – torturas, desaparecimentos, mortes – e só não vê quem não quer, pois o Jornal do Brasil anuncia a geleia geral brasileira.

Faz do morro, pilão de concreto
Tropicália, bananas ao vento

Aliando integração e tentativa de formar uma identidade brasileira, o primeiro verso da estrofe faz uma crítica social ao descaso com os moradores do morro que, quando descem para o centro, não têm acesso a outro espaço do que o trabalho braçal ou a mendicância. Entretanto, ao mesmo tempo que defende causas sociais, o Tropicalismo também defende a modernidade, em que é mais ou menos "cada um por si”, ou seja, Caetano e Gil, por exemplo, vieram para o Rio e estavam preocupados em descobrir as possibilidades de suas carreiras e vender discos, o que exigiu deles um posicionamento de direita também, uma vez que, para angariar visibilidade e existir, era preciso aproveitar as mídias vigentes, como o rádio e a TV, meios que não eram oposição ao governo. Por esse posicionamento contra tudo e, ao mesmo tempo, a favor de tudo, por essa necessidade de se auto-afirmar para negar, por essa repulsa a definições estéticas e protestos, o Tropicalismo sempre quis um lugar distinto, e sem amarras, onde ele pudesse iniciar e terminar quando bem entendessem seus membros. Assim, sem compromisso com o resto, a não ser com o próprio movimento, enquanto ele existia, o último verso traduz a sua rebeldia incontornável em um gesto exibido sem pudor: “Tropicália, bananas ao vento”.

No Canecão, na TV
E quem não dança não fala
Assiste a tudo e se cala
Não vê no meio da sala
As relíquias do Brasil:
Doce mulata malvada
Um LP de Sinatra
Maracujá, mês de abril
Santo barroco baiano
Superpoder de paisano
Formiplac e céu de anil
Três destaques da Portela
Carne-seca na janela
Alguém que chora por mim
Um carnaval de verdade
Hospitaleira amizade
Brutalidade jardim

Geleia geral é transgressora não só na letra, mas também na harmonia que, além de misturar o baião e o bumba-meu


-boi, tocados por Gil no violão – e não no acordeom, como é típico do primeiro –, é quebrado no instante em que o intérprete aproxima-se muito mais da fala direta ao interlocutor do que da entoação, durante a estrofe exibida acima. Outra quebra acontece no fim da música, porém em vez de o canto desacelerar para aproximar-se do diálogo, a frase: “É a mesma dança, meu boi” é entoada duas vezes de maneira mais acelerada do que o resto da música.

Amanda Gomes


Referências bibliográficas

TATIT, Luiz. O cancionista. 2ª ed. Editora da Universidade de São Paulo: São Paulo, 2002.
Veloso, Caetano. Verdade Tropical. Companhia das Letras: São Paulo, 1997.



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Evoé
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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Michelle C. Buss - Sarau Entreverbo #21

Leitura de um poema meu no sarau da Entreverbo Revista #21.




Mais um prólogo do velho poeta

Foi quando a porta se fechou
Que vi um outro olhar…
Mil caminhos, passagem, prelúdios…
Vindo, chegando e então sorrindo…

E assim se foram os tempos
De viver, de ser madrugadas…
Vem galopando manhãs
As crinas claras das minhas auroras…

Para trás, ficaram vazios e também saudades
Pintados, borrados em mim…
Só sobraram as janelas abertas
E o sol me enchendo de luz…

Vi o céu, vi o mar…
Chorei… pra lavar a alma…
Passado se apagando, já apagou…
Logo atrás de mim, bem ali…
Vi um anjo, me levando…
Voando sobre o mar.
Não mais entardeceu,
E uma voz me disse:
– Só é mais um começo do pra sempre!…

Michelle C. Buss



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Evoé
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domingo, 11 de outubro de 2015

Lançamento do livro Kalahari, de Luís Serguilha - Famalicão/Portugal

Aconteceu ontem na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão (Portugal), o lançamento do livro Kalahari, de Luís Serguilha. Tive a alegria de estar presente neste evento e prestigiá-lo ao lado das doutoras em Letras, Danuza Felipe, Rolsida Alves e Bianca Vogler, e do amigo, Douglas Lima.
Kalahari, editado pela Edições Esgotadas, traz em sua capa uma obra da artista Manuela Castro Martins, obra esta que dialoga com a complexidade e trans-arte das poesias de Serguilha. 
Compartilho com vocês algumas fotos do evento e tão logo retorno a falar sobre esse poeta trazendo minha percepção sobre esse instigante livro que é Kalahari.


Livro Kalahari, de Luís Serguilha, edição portuguesa.
Fotografia: Michelle C. Buss

Bianca Vogler, Rosilda Alves, Luís Serguilha, Michelle C. Buss, Danuza Felipe,
no lançamento de Kalahari,
Fotografia: Douglas Lima

Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.
Fotografia: Michelle C. Buss


Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.
Fotografia: Rosilda Alves

Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.
Fotografia: Michelle C. Buss

Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.
Fotografia: Douglas Lima

Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão.
Fotografia: Michelle C. Buss


Evoé 
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sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Da poesia, Luís Serguilha


Luís Serguilha é poeta português, dono de uma poética e sensibilidade fantásticas. Depois de conhecer um pouco de seus poemas, fiz a promessa a mim mesma de reservar um texto para ele. Enquanto não tenho em mãos o livro Kalahari, compartilho com vocês uma entrevista que encontrei no Youtube, em que Serguilha fala sobre a criação poética.
"Eu não escrevo para ninguém, escrevo para outros de mim mesmo", disse Serguilha. Tomando essa pequena afirmação, imagina toda riqueza de explanações que vem a seguir...

"Poesia é energia que mergulha na obscuridade do mundo, é uma substância oculta do mundo."
"A poesia desoculta o homem (...) a poesia liberta o homem."


PARTE 1 da entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=CeI7d0wzKn8 

PARTE 2 da entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=iAjZ9z8VSKk

PARTE 3 da entrevista:
https://www.youtube.com/watch?v=Fdq4vDm0g-A


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O poeta, ensaísta e crítico Luís Serguilha mantém a seguinte página: http://luisserguilha.com.br/
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ARTE VISUAL: A partir de Wassily Kandinsky,
Uma paródia de “A favor e contra”(1929)


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quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Não me deixe sozinho.

Não me deixe sozinho.
Não, por favor, não me deixe sozinho!
Eu preciso de alguém, eu preciso que me ensinem a usar computadores, eu preciso que me ensinem a atualizar minhas redes sociais a cada 2h. 
Por favor, não me deixe sozinho! Eu não seria capaz de me instagramear sozinho, afinal eu não sei tirar selfs. Por favor, não me deixe antes de me ensinar como colocar gifs no Facebook.
Pela manhã, eu devo mandar o que mesmo nos grupos? É bom dia? É Olá? É o que? Por favor, me ajuda.
Não me deixe sozinho no meu vazio existencial! Eu preciso que as pessoas me curtam, me compartilhem, eu preciso expor meus sentimentos através de emotcons! Eu preciso urgentemente que alguém diga que a foto esta linda mesmo estando tremida. Eu preciso que alguém me diga como pensar! A TV? Eu cansei da TV e a Internet é meu novo cérebro! Na TV eu não tinha atenção, as pessoas não ligavam para mim. Na Internet eu tenho seguidores, na Internet eu tenho fãs, eu sou sexy, eu sou invejado, eu sou perfeito.
Então, por favor.
Não me deixe sozinho antes de me ensinar como me isolar do mundo usando a maior ferramenta de conexão que já inventaram!
   

Gabriel Silveira


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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Lagos: preciosa joia portuguesa

Lagos, Praia da Batata
(Fotografia: Michelle C. Buss)

Lagos é uma cidade portuguesa do distrito de Faro, situada na região do Algarve. A cidade é limitada ao norte por Monchique, leste por Portimão, oeste por Vila do Bispo, noroeste por Aljezur e ao sul pelo oceano Altântico.
A cidade de Lagos está historicamente relacionada as expansões marítimas portuguesas. Detentora de monumentos históricos, além praias de tirar o fôlego e uma vida noturna dinâmica, Lagos é um dos centros turísticos mais requisitados do Algarve. Aliás, para quem vai para essa região, Lagos é parada obrigatória.

Lagos, réplica da caravela Boa Esperança.
Fotografia: Fernando Pires

Lagos
Fotografia: Fernando Pires

Lagos, Praia Dona Ana
Fotografia: Michelle C. Buss

Lagos é um cidade encantadora, ao mesmo tempo que mantém características tradicionais, é também um centro cosmopolita devido a presença de turistas do mundo todo.
Por causa da sua localização, a cidade era um ponto importante para as atividades marítimas, em 1573, Lagos passou a ser capital do Reino de Algarve, posição que manteve durante o Domínio Filipino. Com o sismo de 1755, que também atingiu Lisboa, Lagos deixa de ser capital, passando o posto provisório para Loulé e depois definitivamente para Faro onde ainda se mantém.

Lagos, Praia Dona Ana
Fotografia: Michelle C. Buss
Lagos, Praia Dona Ana
Fotografia: Michelle C. Buss

Lagos
Fotografia: Michelle C. Buss

Lagos
Fotografia: Michelle C. Buss

Lagos é um local agradável e paradisíaco, a sugestão é que seja explorado a pé.  Possui praia de águas azuis com tons de verde, são verdadeiras joias preciosas. Entre minhas praias favoritas, destaco a Praia Dona Ana.
Para ir até Lagos?
De avião: saem do Porto e de Lisboa em direção a Faro. De Faro você pode pegar um comboio até Lagos.
Comboio: ou os chamados trens. Saem de diferentes direções do país em direção a Faro ou mesmo Lagos.
Autocarros (os ônibus) que saem de diferentes partes do país ou você pode optar pela sugestão mais confortável e dinâmica que é alugar um carro.


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