sexta-feira, 28 de abril de 2017

SOCIEDADE DA IN FORMAÇÃO OU O QUE AS SEREIAS CANTARAM TAMBÉM A ULISSES


 Choque elétrico no chuveiro
fio mal conectado
nesse aquário morno
soletrado


C-O-T-I-D-I-A-N-O

de ondas indecentes e confluentes
azulejos portugueses
e o resto de palha da cubata.

Aqui é o Brasil
mas podia ser qualquer lugar do mundo
em qualquer hora
só neste momento.

Teia invisível
do quarto mundo
do quarto nível
envolvendo tudo-nada
nesse quarto
em que o homem deita na mulher que não quer.

Atira a palavra.
atira
do revólver da tua boca
e acerta o coração.
Acerta o coração da moça, do pai, do avô
uma vez que o gatilho dispara não tem volta

BUM

Vai-se mais uma bala
um tiroteio de palavras naquele outro quarto.

Além da janela
vai lá o moleque
canta qualquer coisa que escutou na rua
para ter música na língua
já que na alma tem pouca.
Canta para enganar o estômago:
passarinhos da fome
debatem suas penas afiadas
nos músculos de dentro.
Torce e arranha.
Mas assim mesmo
a língua salivada continua cantando.

Passa por ali,
perto do moleque,
tá vendo ali?
Não, não aquele Ford...
Naquela Mitsubishi
no banco de trás
o poeta calado pela indiferença
reprimindo nos dedos o poema.

É difícil prender poemas
mas às vezes se consegue
quando o medo do verbo
é maior que o amor
quando medo de ser poeta
é maior que ser.

Cala o poema
Poema calado.

No banco da frente
ela que ama mais o carro que
o motorista
que não ama ela
mas o jovem ao lado do poeta
que nem citei.
O motorista e ela
um casal descasado
como qualquer outro
e tantos iguais a outros: casados.

Do outro lado da rua,
quase na esquina
o velho
carregando o dia nas costas
e nas mãos o final de mês.
Passando por ele
o garoto fumando maconha,
camiseta hippie chique
com uma frase marxista.
Acha que isso é revolução –
Revoluciona ação.

E nesse aquário de água parada
cheia de resíduos
eu nem falei ainda
do vendeiro, do americano,
da diarista, das des-africanidades,
do chinês, dos boêmios,
do banco, banqueiro, seus bancários

de diplomas comprados
dos intelectu-ais: conforme – citação indireta
alguém, talvez Freud ou Foucault
do religioso sem religião,
da religião sem religiosos,
de médicos faz de conta que são médicos,
das falsas famílias pregando famílias,
das depressões,
depredações,
negações.
ações corruptas
rupturas de personalidade.
Noites em que lua é pregada no céu
porque nem a lua quer ser mais lua.

Bebe um pouco de cachaça
para amolecer essa língua.
entortar um pouco essa palavra...

Nem precisa falar.
Tá tudo ali!
Não na próxima linha,
não nesse poema.
Tá ali fora
nesse aquário

C-O-T-I-D-I-A-N-O

Hashtag #sociedade
precisa mesmo um
pouco de eletricidade
na barbatana
escorrendo pela água do chuveiro

Peixe que
Anda
Nada.

(Michelle C. Buss)


.
Evoé
.