terça-feira, 30 de maio de 2017

Seminários de Psicologia Analítica ESPAÇO ARTE-CIÊNCIA

Enquanto a UTOPIA idealiza o futuro e a DISTOPIA constrói o trágico amanhã, a INDIVIDUAÇÃO é a autoconsciência da realidade, onde as diferenças respeitadas objetivam um bem-estar comum. Seminário coordenado por Flora Bojunga Mattos, aberto a toda a pessoa interessada em discutir a nossa posição na sociedade de hoje.


Quando: 31/05/2017, das 20h às 22h
Onde: ESPAÇO ARTE-CIÊNCIA
Endereço: Rua Miguel Couto, 770 - Menino Deus - Porto Alegre/RS 

 

sexta-feira, 19 de maio de 2017

quântica poética

Ao som das esferas celestes, de estrelas que se debatem e trincam no movimento inconstante constante do nascimento de uma supernova: dança cósmica de ancestrais-novos deuses. Me encho de universo, e por um instante tudo suspende. Trago a tinta das estrelas nas palmas de minhas mãos enquanto me descubro poema. Em meus olhos, o verso de galáxias além sol e dessa própria terra.
Poesia... poesia. Esse coração que se desperta em supernova, que desperta em amanhecer. Esse meu coração que bate em poesia. Te descubro, me redescubro: um poema em constante pulso.
Além de qualquer átomo meu, por toda geometria do meu DNA, em toda minha carne, o sopro que me faz vida é o poema. Energia dimensional que movimenta astros, minha supernova que jamais morre e me faz (r)existir.
Em todos os tempos e em toda atemporalidade, nos meus silêncios, nas estações que ficam entre as estações, toda vez que meus olhos abrem um novo dia, toda vez que minha água interior é maré nos meus olhos. Toda vez que entendo o amor, toda vez que o amor me acende, toda vez que me percebo amor.
Em tudo, em todos, em cada recanto dos multiversos interiores e desse próprio mundo: poesia.
Te descubro, poema em constante pulso, me descubro.

(Michelle C. Buss)

quarta-feira, 17 de maio de 2017

Um poema da etnia bambara

Ondula, savana branca, de Ruy Duarte de Carvalho, é uma coletânea de textos, publicada em 1989, das mais diversas tradições orais africanas. A obra está dividida em "Versões", "Derivações" e "Reconversões", configurando as várias operações que Duarte realiza a partir do material da oralidade de vários povos africanos (Fulani, Yorubá, Pigmeu, Ngoni, Didinga, Akan, Dinkas, Xhosa, Thonga, Somali, Barg-dâmaras, Mensa, Zulu, Nyaneka, Kwanyama). Com sua sensibilidade poética e transitando pelos domínios da etnografia, Ruy Duarte de Carvalho produz um livro instigante e de uma riqueza cultural e literária enorme.
Uma das partes de Ondula, savana branca, a "Bambara"(etnia Bambara [Bamaba, na sua própria língua, ou algumas vezes, Banmana] é um povo que vive no oeste da África, principalmente no Mali, próximo ao rio Níger), é regida pelo "Ensinamento oral do Koré". As estrofes são organizadas com informações a respeito do processo de iniciação ao conhecimento de preceitos do Koré, aprendido pelos membros do povo Bambara, desde a mais tenra idade, como uma forma da preparação da espiritualização e divinização do homem.
Abaixo, segue o poema, considerado para mim como um dos mais belos que já li:


Ensinamento oral do Koré
A voz dos Karaw
*

PRIMEIRA TIRADA


Savana verde bem fresca
savana verde verdadeiramente aberta
à fome dos rebanhos
exposta aos rebanhos famintos
savana verde
não se apossou a terra ainda
do meu corpo
e eu posso abrir os prados
                                 da palavra.

Deslumbramento, surpresa!
Já existia o que se aprende agora
e o que acontece acontecia já.
Mas como havia de sabê-lo então
quando a torrente me arrastava ainda
e eu via a minha face a renovar-se?

O princípio do princípio da palavra
foi quando o pássaro disse para si mesmo:
eu falo, sua a beleza, o som e o movimento
e a consciência exacta destes dons.

E se eu me engano
que o castigo seja cego para o meu erro
e o esquecimento ressalve o esquecimento
porque eu não passo de um punhal
embainhado
porque eu não sou abóbada celeste
nem sou o filho da abóbada celeste
e nem sequer o espaço do encontro
a que se entregam as asas do crepúsculo.

Eu sou aquele, apenas
que está rendido ao canto que anuncia
o fim da noite
e o despontar da aurora.

Uma atenção sem fé engendra o esquecimento
e o esquecimento é que apadrinha o erro.
Da casa do saber
um pátio apenas sou e no entanto um pátio
pertence já também à construção.

Cada conquista
provém de outra conquista
e a posse da ciência é discernir
como se entrança nelas o saber.
É casa já também
o pátio que precede a construção.

Transformação
transformação.
Fornalha
fornalha do homem.

Dos homens pacientes
eu digo que a paciência
é uma paciência clara.
Eus o espaço do encontro:
toda paciência é uma paciência clara.

Transformação!


SEGUNDA TIRADA


Ondula, ondula
savana branca
até que tudo se confunda em ti.

Oh fragmentadores da noite crepuscular
por detrás dos animais só há obscuridade
e obscuridade só
pela sua frente.
O poderoso hipopótamo
está perdido num bosque sem saída.
Já quando quis entrar
recorreu a uma pequena criatura
cega como ele e como ele perdida.
Como fará o cego para que possa ver?
Será capaz de assegurar ao passo
a graça da cadência original?

A fornalha poupou-nos
preparou-nos
para atravessar as portas do mistério.

Verga-te, oh céu
e entrega-te tu, oh terra
para que eu veja essa clareira branca
o mato abandonado
a mata abandonada
e nada se oculte
tudo esteja lá.

A fornalha poupou-nos e é tempo de dizer
velhos e vãos fragmentadores do céu
que o corpo não findou
e está ressuscitado.

Submetei-vos
asas brancas do crepúsculo
ao lugar do encontro dos espaços
à primeira das palavras
a que remonta à parição do homem
e viajou por todas as clareiras
até desembocar na casa do saber.

Eis a Palavra, é esta
a que não dorme
a que não cessa de aguardar
no coração dos homens.
Conhece-a apenas o urso formigueiro
visionário que escava no mais fundo
e o porco-espinho
que é o mestre protector do conhecimento herdado
e o falcão branco
que é rápido e ladino
e se apercebe de tudo ao mesmo tempo.
Mas foge ao falcão cinzento
que não se fixa e voa distraído.

Aquilo que eu sei
alguém mo legou.
Pai Palavra
Mãe Palavra
Palavra anterior
vem e transforma já o meu futuro.

Repartamos a carga pelas nossas cabeças
oh filhos dos fragmentadores do céu
unamos a perseverança do aprendiz
à perseverança do mestre.
Transformação!

Acalmai-vos
fragmentadores alados do crepúsculo
eu sou a Palavra
a abóbada celeste
o encontro dos espaços.

A noite é escura
vazia não é.


TERCEIRA TIRADA


Como o punho da lança
como a abóbada celeste
como o filho único da altura
acalmai-vos, eis-me aqui
oh sopradores do crepúsculo

Abóbada celeste
filho único da altura
ave surda-muda
labareda acesa que não atinge o osso.

Obscura é a palavra
embainhada até para os velhos mestres
e mesmo o fundador
foi procurar sabê-la mais além.

Há coisas úteis na casa do amigo
e há coisas úteis na do inimigo:
não será pois de recorrer às duas?
Pela paz se alcança a paz
e o que há para além da paz.
Labor imenso!
Transformação!

O que se ensina agora existe desde sempre.

E é a casa já também
o pátio que precede a construção.


QUARTA TIRADA


Savana verde bem fresca
savana verde verdadeiramente aberta
à fome dos rebanhos
exposta aos rebanhos famintos
savana verde:
não se apossou a terra ainda
do meu corpo
e eu posso abrir as portas da palavra.

Ave surda-muda
palavra obscura
                       o que há no alto
                       oh sopradores da noite?

Se interrogardes a velha experimentada
saberá elucidar-vos que se trata
da fornalha
do calor
dificuldade extrema.

Mas as verdes raparigas sabem bem
que o fogo não é forte:
resiste mas convida
e se abandona enfim
a quem persiste.

O que se ensina agora
existe desde sempre
e há coisas úteis na casa do amigo
e coisas úteis na do inimigo.

Obscura é a palavra
embainhada até para os velhos mestres
e mesmo o fundador
foi procurar sabê-la além de si.
O que seria enfim da reflexão
se a não iluminasse a luz do espírito?

O que sabeis das tranças do saber
velhos e vãos fragmentadores da noite?

O que sabeis da luz da reflexão?

     — QUE HABITA NA PENUMBRA DO MISTÉRIO!




Bibliografia consultada:

CARVALHO, Ruy Duarte de. Ondula, savana branca. Luanda: UEA, 1989.
FONSECA, Maria Nazareth Soares.  Percursos da memória em textos das literaturas africanas de língua portuguesa. Niterói: Gragoatá, n.19. p. 45-63, 2. sem. 2005.


Texto de Michelle C. Buss
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Evoé
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