João Cabral de Melo Neto, em 1966, ano em que foi publicado
o livro A Educação Pela Pedra, já era
conhecido por sua poética fortemente marcada pela racionalidade, concretude e
rigor estrutural. Nesta obra, Cabral sintetiza sua trajetória que passou por
uma tendência surrealista com seu livro de estreia Pedra do Sono, até o regionalismo de Morte e Vida Severina.
A composição do livro tem, digamos, características
matemáticas. Só para citar algumas:
- Totaliza 48 poemas
que estão divididos em quatro partes iguais contendo 12 poemas cada;
- Todos os poemas são compostos por duas estrofes que,
embora não sigam uma métrica fixa, dão uma impressão de uniformidade;
- As quatro partes do livro são nomeadas pelas letras: a, A,
b, B; sendo que as minúsculas são formadas por poemas de 16 versos e as maiúsculas
por poemas de 24 versos. Também os temas dos poemas são condicionados às
letras.
Em A Educação Pela
Pedra, a linguagem é seca, avessa ao
sentimentalismo, à adjetivação que venha a tornar o poema menos concreto. É o
aprender pela pedra: pelo exato, compacto, aparentemente vazio de poesia. Esta
didática é descrita, em pormenores, num dos poemas do livro que, não por acaso,
também leva o nome de A Educação Pela
Pedra:
A Educação Pela Pedra
Para aprender da pedra, frequentá-la;
Captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Ao que flui e a fluir, a ser maleada;
A de poética, sua carnadura concreta;
A de economia, seu adensar-se compacta:
Lições da pedra (de fora para dentro,
Cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
E se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma pedra de nascença, entranha a alma.
Outro dos grandes poemas do livro é Os Vazios do homem. Aqui Cabral consegue dar sua lição (sem
prejuízo do lirismo e das características que constroem o livro) realizando uma
reflexão sobre o interior do homem. Prova que ele aprendeu muito bem antes de
ensinar.
Os Vazios do Homem
Os vazios do homem não sentem ao nada
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia não, qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.
Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou vazio que inchou por estar vazio.
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia não, qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.
Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou vazio que inchou por estar vazio.
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