quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sal, topázio e mercúrio, de Michelle C. Buss

Se fosse possível tematizar um livro de poemas, diria, sendo inevitavelmente vago e reticente, que Sal, topázio e mercúrio trata dos muitos aspectos que o olhar do poeta elege como primeiro plano. O olhar do vidente que transforma em imagem e ritmo as vivências orgânicas ou que é capaz de somatizar o turbilhão imaginativo; capacidades que fazem do poeta um pequeno deus, como escreveu Huidobro. Essa mistura de elementos já aparece representada no próprio título. Entretanto, podemos, também, usar a metáfora dos corpos – vegetais, animais – em que os diferentes órgãos com suas diferentes funções formam uma unidade assustadoramente harmônica. Seguindo esse raciocínio: este livro é um corpo pulsante.
Sal, topázio e mercúrio assimilou um muito da estética das ruas e estradas. Tanto do andar do sujeito no mundo de concreto, ferro e gente só, quanto do andar deste mesmo sujeito na dimensão dos astros, sonhos e sentimentos: três velhos moradores do estro da autora.
É impossível chegar ao último verso sem tocar, mesmo que ligeiramente, os caminhos da consciência, tipo quem contempla entre os dedos a terra onde anda pisando. Da mesma forma, acredito que este livro seja produto de uma erosão interna operada pelo passar dos dias; aqui uma senda mais densa do que aquela pela qual passamos ao ler o Mosaicos, primeiro livro da Michelle. O motivo é que a boa poesia se reinventa conforme os tempos mudam (me refiro ao tempo pelo olhar do poeta, que nem sempre – na verdade quase nunca – segue a lógica do tempo convencional).
Na leitura dos poemas, adianto que nenhuma palavra será alçada aos grandes pensamentos, descobrimentos e inovações. Sal, topázio e mercúrio é a forma mestiça dos sentimentos de todos. A imagem dos nossos pequenos infinitos. Às vezes, cravejados por refrãos, figurando epifanias diárias de todas as épocas como o verso “amanhã não chega nunca”, outras vezes o acontecer paralelo aos fatos, um acontecimento que não vê a luz do mundo a não ser através dos olhos da poesia, tipo o diálogo com um “você” que talvez nunca responda, de fato, à pergunta: “E agora amor?”, mas que assim mesmo entra num espaço sem-tempo por ter sido transformado pelas mãos da imaginação.
Um mundo íntimo desenhado por palavras transparece. O papel é apenas o veículo da poesia. A poesia de Sal, topázio e mercúrio é boa de se tocar e causa identidade imediata porque nós já a sentimos. Ela foi dita, aqui, da forma como é sentida.

A imagem da capa já está disponível (aquela lá no início do post) e o livro já se encontra no catálogo da Editora Patuá em pré-venda (entrega após o lançamento que ocorre agora em agosto).

Um dos poemas de Sal, topázio e mercúrio:

Quase verão
e o amor não veio.
Passei a noite em sonhos tortos
sentindo um frio solidão.
Nenhuma flor morreu
mas também nenhuma se abriu.
Deve ser mau tempo
ou algum inferno astrológico
que tenha espantado o amor...
Mas já não chove muito
e a lua já é mais cheia
e fantasmas de um passado
já não passam para tomar um chá.
Eu fico aqui contando estrelas,
constelando desejos,
diluindo horas de sono
enquanto me pergunto:
onde está você que ainda não veio?



Texto de Silvério Bittencourt.



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Evoé
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