quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Análise do filme O Homem do Pau-Brasil

Capa do DVD do filme O Homem do Pau-Brasil

A percepção que a maioria tende a ter perante um filme como O Homem do Pau-Brasil tende a ser negativa, visto que ele aborda – de modo totalmente experimental – vários aspectos polêmicos, originais e conflitantes entre si. Conforme explica Walter Benjamin, o convencional é apreciado acriticamente e o que é uma representação genuína do novo, com aversão. Assistindo ao filme, o espectador, que está habituado a uma narrativa cinematográfica linear clássica (holiwoodiana), sente a provocação do enredo através do frenesi da sucessão de imagens carregadas de teatralidade, além de diálogos e falas complexas. Esses fatores possibilitam que haja um "ruído" na comunicação do diretor do filme com o espectador, ao ponto que, para Luis Martino, há comunicação quando duas consciências se comunicam e compreendem a mesma mensagem. 
A obra cinematográfica, que retrata a introdução do Modernismo no Brasil através de uma de suas figuras mais importantes, Oswald de Andrade, é minada de peculiaridades. Uma delas é justamente o fato de Oswald ser representado por dois atores ao mesmo tempo: um homem e uma mulher. Essa é a tentativa de evidenciar o lado masculino e o lado feminino do artista. A dificuldade inicial de compreender o filme pode estar vinculada à estranheza que sentimos ao ver Oswald, uma pessoa física, sendo representado por duas pessoas ao mesmo tempo. Isso se deve ao fato de que a representação conjunta pretende dar conta da personalidade de Oswald, ou seja, representá-lo como um objeto formal, e não apenas o corpo físico como objeto material. 
Como afirma Foucault, pensar é um ato de violência. Não há como pensar no meio termo, pensar é se auto-afirmar de algum lado. Os modernistas, por sua vez, sustentavam seus pensamentos contraculturais através da auto-afirmação frequente que praticavam. Eles se propuseram a pensar e discordaram, em vários âmbitos, do sistema vigente na arte, na política, na igreja. Portanto, produziram diferença ao se comunicarem, querendo desconfigurar e desnaturalizar as coisas. No longa-metragem, há uma predominante comunicação verbal, e esse tipo de linguagem foi fundamental para que o movimento prosperasse. Algumas falas eram reproduções de importantes obras da época como, por exemplo, o Manifesto Antropófago de Oswald, que colaborou significativamente para a passagem de um pensamento “cultural” para um pensamento “contracultural”.
Para Lucien Sfez, a comunicação é a nova religião capaz de articular todos os saberes possíveis. Bem como Adriano Rodrigues afirma que com o surgimento do “campo dos média”, os campos deixaram de estar conectados com a religião, que os agregava, e passaram a ter como centro “universalizante” a comunicação. Oswald, nesse sentido, representa um pastor. Pois quem seria melhor para que possamos entender esses meios, senão o artista que é, ao mesmo tempo, meio e mensagem? Oswald é fruto desse meio e mensagem do meio, tem a capacidade de reunir pessoas em torno do seu trabalho, contemplando e pensando sobre suas ideias. Outro exemplo de artista que serve como meio para a disseminação do Modernismo é Tarcila do Amaral. Fica evidente sua capacidade de comover outrem quando ela mostra um quadro seu, chamado “A Negra”, a uma negra francesa, a qual fica instantaneamente estupefata ao se deparar com a pintura por reconhecer no quadro a figura de sua avó. Essa catarse da espectadora diante da bela arte está diretamente ligada à aura de que fala Walter Benjamin.
Os modernistas são contrários à dominação da Igreja. No filme, os padres se aproveitam da fé e exercem uma comunicação que persuade os fiéis, seja os extorquindo - como no caso das viúvas -, seja os doutrinando - como no caso dos índios. Segundo Adorno, isso seria a transformação dos bens simbólicos em mercadoria. A fé estaria, então, sendo transformada em mercadoria. Durante uma cena, por exemplo, alguém está abrindo os baús dos padres, os quais tentam impedir alegando que lá dentro não havia nada mais além de “instrumentos de disciplina”. Podemos relacionar essa situação à filosofia do Adriano Rodrigues, que diz que um campo desenvolve uma série de instrumentos pedagógicos para fazer as pessoas aderirem a ele.
Conforme Adriano Rodrigues, para um campo social poder se sobressair e se desenvolver, é necessário que seus rituais sejam expostos. O Modernismo, por seu turno, expôs intensamente os seus rituais no ambiente artístico e cultural da época e, assim, acabou tendo repercussão. Segundo Martino, estar infectado pela cultura é amplo, geral e irrestrito. De modo que quem é “infectado” precisa disseminar essa nova visão ou “vírus” e desbancar os movimentos existentes. Este último aspecto pode ser associado à crítica de Adriano que declara que a comunicação propõe o bom senso, uma política de interpretação, ou até mesmo a ironia de zombar das diversas teorias e do cenário da vida cotidiana. 
Em “O Homem do Pau-Brasil”, há um diálogo entre Rosa e os personagens que representam as personalidades do Oswald em que aquela vai dizer: “vocês precisam compreender a arte por suas causas materiais. O modernismo é o período alto do burguês no primeiro café valorizado. Feito por vocês, pessoas assim como café: de uma valorização toda artificial”. Seguindo a lógica do Adorno e da Indústria Cultural, toda a cultura transformou-se em produto, em mercadoria. Desse modo, o indivíduo também acaba se tornando uma mercadoria, e a cultura é absorvida de forma a se transformar em prestígio para o indivíduo, não em conhecimento. A figura masculina de Oswald responde: “Imagine. Nós, artistas anônimos na revolução!”. Tal resposta evidencia que a cultura começa a ser valorizada artificialmente, uma vez que o seu conteúdo deixa de ser o essencial e dá lugar à capacidade que ela tem de promoção do indivíduo.
Pelas dimensões analisadas aqui, e por outras tantas, a conclusão a que Vera França chegou parece ser cada vez mais pertinente: a modernidade não descobriu a comunicação, apenas a problematizou.

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Evoé
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