domingo, 2 de março de 2014

Sylvia e Ted



Ao lado de Rimbaud e Verlaine, Gauguin e Van Gogh, Camille Claudel e Auguste Rodin, esta é uma das relações mais tempestuosas entre grandes artistas.
A vida à dois do casal de poetas Sylvia Plath e Ted Hughes foi trágica do início ao fim.
O choque cultural entre eles (ruralidade inglesa de Ted, americanidade exagerada de Sylvia), a obsessão de Sylvia pelo pai morto, sua ansiedade mórbida, foram esses -- na visão de Hughes -- os fatores que mais colaboraram para sua própria tragédia. Tragédia que é relatada em versos (tragédia grega!) no livro Cartas de Aniversário, de Ted Hughes, uma espécie de exorcismo que foi publicado trinta e cinco anos após o suicídio de Sylvia Plath (1963; aos trinta anos de idade, Sylvia veda o quarto dos seus dois filhos com toalhas molhadas e roupas e deixa pão e leite ao lado de suas camas, em seguida toma uma grande quantidade de remédios e abre o gás com a cabeça dentro do forno). Durante esses trinta e cinco anos, Hughes se negou a falar qualquer coisa referente ao seu casamento e foi vítima do ataque de feministas que o culpavam pelo suicídio de Sylvia e chegavam, inclusive, a acusá-lo de assassinato. Acusação reforçada pelo fato de sua segunda esposa, Assia Wevill (a mulher por quem ele se apaixonou quando ainda estava com Sylvia e com quem foi viver após a separação), ter matado a filha que teve com ele e logo após cometer suicídio da mesma forma que Sylvia.
Sabendo que estava com um câncer que certamente o mataria dentro de pouco tempo, Ted rompeu este longo silêncio com Cartas de Aniversário, um livro de tensos e belos poemas que ele assim definiu: 
"Escrito sem planejamento ao longo de 25 anos, este é um livro no qual eu tentei estabelecer um contato direto, privado, íntimo, com minha primeira mulher, não pensando em fazer um poema, mas principalmente pensando em evocar sua presença e senti-la ali, escutando".
Cartas de Aniversário passou meses nas listas dos mais vendidos na Inglaterra e nos Estados Unidos, chegando ao primeiro lugar, um feito raro para um livro de poemas. E Ted Hughes morreu em Londres, 28 de outubro de 1998, pouco depois de publicá-lo.
O filme Sylvia - Paixão Além de Palavras, de 2003, conta essa história, trazendo Gwyneth Paltrow no papel de Sylvia Plath e Daniel Craig no papel de Ted Hughes. Fica a indicação.
Abaixo transcrevo um trecho do poema Um vestido de malha rosa (A Pink Wool Knitted Dress) que descreve o dia do casamento dos poetas (16 de junho de 1956, o Bloomsday, dia vivido por Leopold Bloom em Ulysses, clássico de James Joyce. Coincidência nenhuma, claro), a tradução é de Paulo Henriques Britto.

"Tão esguia e nova e nua.
Úmido ramo de lilás ao vento.
Você tremia, soluçava de júbilo, você era o abissal
Transbordando de Deus.
Você disse que viu os céus se abrirem
E revelarem riquezas, prestes a chover sobre nós.
Levitando a seu lado, eu submetia-me
A um tempo estranho: o futuro enfeitiçado."


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